Amar não é pecado

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É interessante a capacidade de a música entrar em nossos ouvidos e ali habitar por um bom tempo. Ainda mais quando se tem um refrão forte, de fácil assimilação e que se repete sempre, tanto no sentido da própria dinâmica da música, quanto ao seu uso nas diversas situações (comerciais, festas, rodas de bate-papo). São consideradas grandes hits.

Pois, bem!

Em minha cabeça agora, enquanto descarrego meus caracteres nesse espaço, repete-se: “Amar não é pecado, se eu tiver errado... na... na... na... na... na...”. A parte do “na... na... na...” é real. Não consigo cantar com precisão o que tem depois. Tenho vaga noção.

Conto isso para fazer dois destaques: primeiro para dizer que essa música cumpre bem a sua função de está na cabeça das pessoas o dia todo (isso sem falar que deve vender muito), e depois para justificar o motivo de escrever aqui: É entregue aos nossos ouvidos uma idéia forte, pertinente, incomodante: “Amar não é pecado!”

Por favor, alguém avise ao cantor do hit, antes que ele mande o mundo não sei pra onde, que não está errado! Fechemos a possibilidade do “e se tiver...”! Não, não está errado!

Aliás, em uma compreensão mais profunda, não deveríamos colocar AMOR e PECADO na mesma frase, uma como possibilidade da outra. Lembro-me aqui de Santo Agostinho em uma frase conhecidíssima que talvez fale melhor do que eu: “Ame e faça o que quiseres”.

Simples, não?!? Nem tanto!

O problema é de compreensão!

Aqui, esqueço-me da música e cantor (não tenho objetivo algum de criticar... até que a melodia é “legalzinha”) para perceber o afastamento do sentido do Amor. Não falo isso de uma percepção só minha, mas, vejamos o comportamento atual, as idéias midiáticas dos relacionamentos, as sugestões das músicas, obras, realities-show e tantas outras. Fala-se muito, muito, muito de amor, mas não estão falando quase nada de Amor.

O Papa Bento, em sua primeira encíclica “Deus Caritas est” identificou a problemática: “Em primeiro lugar, recordemos o vasto campo semântico da palavra « amor »: fala-se de amor da pátria, amor à profissão, amor entre amigos, amor ao trabalho, amor entre pais e filhos, entre irmãos e familiares, amor ao próximo e amor a Deus.”

Só o verbete e sua utilização já causam questionamentos. Imagine, então, se seguimos com o questionamento do Pontífice: “todas estas formas de amor no fim de contas unificam-se sendo o amor, apesar de toda a diversidade das suas manifestações, em última instância um só, ou, ao contrário, utilizamos uma mesma palavra para indicar realidades totalmente diferentes?”

O Papa encarou a temática (recomendo a leitura da Encíclica). O Amor é um só! É uma única realidade. As dimensões que ele alcança, aí sim, podem sobressair uma à frente da outra. Eros, o amor mundano, ascendente, e Ágape, o amor proveniente da fé, que é oblativo, descendente, “melhorado, aperfeiçoado”, estão presentes em nós de forma dinâmica.

Em tudo isso, vale a recomendação de nunca separar essas realidades totalmente, pois, “quando as duas dimensões se separam completamente uma da outra, surge uma caricatura ou, de qualquer modo, uma forma redutiva do amor.”

E aí (voltemos à arte) temos amor de todo jeito, comparado a tantas realidades. É “capim”, é sofrer, é fuga da realidade... Pode ser qualquer coisa. É critério para ações... o “mundo pode se danar”... Tá valendo! (acabei de ver a letra aqui)

Que essas linhas não ressoem como um discurso idealista de amor ou recusa do Amor como sentimento entre pessoas que se amam. Não! O amor dos apaixonados também está contido nessa proposta de AMOR que é profundo. Ora, imagine, aí, Deus também ama e “este seu amor pode ser qualificado sem dúvida como Eros, que, no entanto é totalmente Ágape também”.

Fica o desafio da descoberta de Amar, de viver o sentimento que “é paciente, bondoso, tudo crê, tudo suporta e tudo espera”. Que ele seja experimentado! Possivelmente cantaremos refrãos belos e inspiradores.

Pe. Flávio Porto

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